Estudos conduzidos pela Embrapa Amapá indicam a necessidade de um plano de manejo para o controle da tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus) na Bacia Igarapé Fortaleza, que abrange os municípios de Macapá e Santana (AP)
Como não é um peixe nativo, está causando forte pressão sobre espécies nativas como os peixes conhecidos por acarás, reduzindo sua população. Também tem potencial para comprometer a estrutura da população de outras espécies de peixes dessa região da Amazônia. A tilápia-do-nilo foi introduzida no Brasil no início da década de 1970, para repovoamento de açudes do Nordeste, por meio de um plano do governo federal de combate à fome nessa região. Depois, o cultivo espalhou-se por todo o País.
As várzeas da Bacia Igarapé Fortaleza, integrada ao Rio Amazonas, são áreas de preservação permanente (APP) que servem de abrigo e alimentação para diversas espécies de peixes e têm importância na pesca de subsistência para famílias dos municípios de Santana e Macapá. Nessa região, a tilápia-do-nilo foi introduzida em diversas pisciculturas para alimentar pirarucus, devido à sua capacidade de se reproduzir naturalmente em viveiros de cultivo. Porém, a criação trouxe impactos ambientais decorrentes de escapes e solturas para a natureza.
Para controlar a proliferação do peixe exótico, a Embrapa recomenda o uso de armadilhas tradicionais como redes e tarrafas ou captura mais moderna como a pesca elétrica. Os dados fazem parte de publicação técnico-científica da Embrapa Amapá, de autoria do pesquisador Marcos Tavares-Dias.
A introdução da tilápia-do-nilo no Estado do Amapá remete a 1970, por iniciativa de uma mineradora que aproveitou suas áreas escavadas para o cultivo desse peixe, mas não há registro do sucesso do empreendimento. Na década de 1990, houve uma nova introdução da tilápia-do-nilo, quando alevinos foram obtidos para cultivo em algumas pisciculturas de Macapá. “Essa introdução deve-se ao fato de que esse peixe já dispunha de tecnologias para sua criação intensiva e vinha sendo cultivado em outras regiões do Brasil”, explica Marcos Tavares-Dias, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Aquicultura da Embrapa Amapá.
Entre 2001 e 2002, um levantamento conduzido na região da Bacia Igarapé Fortaleza mostrou que a maioria dos piscicultores aproveitava a disponibilidade de água das áreas de várzeas para cultivo da tilápia-do-nilo, mas nascentes e o próprio rio também eram usados com essa finalidade.
A tilápia-do-nilo originária do Rio Nilo, no continente africano, é uma espécie de água doce disseminada em diversas regiões do planeta. O cultivo desse peixe pelo mundo foi promovido visando à subsistência de populações pobres de países em desenvolvimento. A publicação da Embrapa destaca que atualmente essa espécie de tilápia vem causando também problemas ambientais e comprometendo espécies nativas do México, Panamá, Austrália, Estados Unidos, Filipinas e Madagascar, por causa do elevado potencial invasor desse peixe nos ambientes.
Invasão de espécie exótica ocorre em cinco fases
O impacto ambiental ocorre devido a um processo que inclui o fato de a tilápia-do-nilo possuir extrema plasticidade alimentar, ou seja, alimenta-se de invertebrados aquáticos que não têm capacidade fotossintética e que vivem dispersos na coluna de água e com pouca capacidade de locomoção; como também de organismos aquáticos microscópicos que têm capacidade fotossintética e vivem dispersos flutuando na coluna de água; além de detritos, sedimentos, larvas de insetos e ovos de outros peixes, dependendo da fase do ciclo de vida. Outro fator é que a espécie invasora apresenta grande resistência aos ambientes com elevada concentração de matéria orgânica acumulada nos ambientes aquáticos, altas temperaturas, altas concentrações de amônia e baixas concentrações de oxigênio dissolvido na água. Em ambiente natural, a tilápia-do-nilo pode reduzir a biomassa dos organismos que vivem dispersos nas águas doces da Bacia do Igarapé Fortaleza tanto diretamente pelo consumo dos organismos planctônicos como indiretamente, pelo consumo dos seus principais recursos alimentares.
O autor da publicação lembra que como os alevinos da maioria das espécies de peixe dependem do plâncton (organismos dispersos na água da bacia), é possível que o recrutamento (entrada de indivíduos jovens no ambiente) das espécies de peixes nativos seja negativamente afetado pela competição com a tilápia-do-nilo. Essa espécie exótica tem forte comportamento territorialista, ocupa preferencialmente as margens dos corpos de água, locais preferidos para a desova da maioria das espécies de peixe como os acarás. Portanto, suas características tornam a tilápia um invasor biológico com forte potencial de impacto para ecossistemas naturais.
Fases da invasão
O processo de invasão de uma espécie não nativa inclui, geralmente, cinco fases. Na primeira fase, os invasores biológicos recém-chegados adaptam-se às novas condições ambientais ou não. Na segunda fase, se reproduzem para iniciar uma nova população. Na terceira, a abundância do invasor aumenta drasticamente, pela ausência de predadores, competidores e doenças no novo ecossistema invadido. Na quarta fase, a abundância do invasor diminui, por causa da exacerbação das relações bióticas no ecossistema. Na quinta fase, o invasor naturaliza-se, formando uma população de peixes com capacidade reprodutiva estável. Porém, as mesmas características de comportamento dos invasores podem estimular o processo de invasão biológica em alguma dessas fases e inibir em outra fase.
No Brasil, o cultivo da tilápia-do-nilo começou a ganhar importância na década de 1990, principalmente nos estados do Sul e Sudeste. Nesse período, a criação dessa espécie exótica mostrou grande vantagem sobre as espécies nativas em relação ao conhecimento técnico-científico disponível, principalmente quanto à sua biologia e tecnologias para a produção intensiva. Consta também na publicação que, atualmente, essa tilápia representa o principal modelo de cultivo em diferentes sistemas de produção intensiva no País, principalmente nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste, mas sua maior produção tem sido na região Nordeste.
O cultivo ocorre principalmente em sistemas intensivos de viveiros escavados e tanques-rede. A tilápia-do-nilo, juntamente com as carpas, foram as espécies responsáveis pelo crescimento da produção na piscicultura continental brasileira em 2011, representando quase 64% do total de peixes produzidos no país. Embora o cultivo de espécies não nativas seja uma atividade econômica importante para o País, os escapes e solturas representam um problema ambiental pouco avaliado. Na Amazônia Legal, esse peixe é cultivado nos estados do Acre, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Tocantins. De acordo com dados do IBGE, em 2014 a produção de tilápia-do-nilo no município de Macapá foi de 16.206 kg.
Fonte: http://www.portaldoagronegocio.com.br/