Peixe carnívoro da Bacia Amazônica, o tucunaré foi introduzido por acidente no Pantanal em 1982, pelo rompimento de uma represa na Fazenda Santo Antônio do Piquirí, localizada na área rural de Corumbá (MS), entre os rios Itiquira e Piquirí, na divisa de Mato Grosso com Mato Grosso do Sul.
Desde então, a presença do tucunaré na Bacia Pantaneira tornou-se uma grande incógnita. Pouco se sabe sobre quais impactos esse animal, extremamente voraz, está causando nos peixes nativos do Pantanal.
O tucunaré é glutão, devora peixes pequenos e grandes. “Qualquer peixe que passar em sua frente o tucunaré vai predar, desde que menor. Ele projeta a boca além da maxila. Quando fecha a boca, junto com a água, o peixe é sugado”, explica o professor-adjunto da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Fernando Rogério de Carvalho, 38, graduado em ciências biológicas, mestre, doutor e pós-doutor em zoologia, com ênfase em ictiologia (estudo dos peixe).
Carvalho afirma que os peixes pantaneiros não possuem essa novidade evolutiva, o que confere ao tucunaré posição de predador de topo de cadeia alimentar.
O governo de Mato Grosso do Sul não tem um programa específico de monitoramento da espécie e diz que este trabalho ficou a cargo da Embrapa Pantanal, braço local da Embrapa, empresa de pesquisa do governo federal, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
O último estudo realizado pela Embrapa Pantanal especificamente sobre o tucunaré foi feito há 12 anos, em 2005.
“Pode eliminar outras espécies nativas”
O professor Carvalho afirma que existe um pensamento de que quanto mais peixe, melhor. “Cada animal evolui em um lugar do planeta. As pessoas não entendem que cada organismo nasceu em um lugar, peixes, animais ou plantas. Dizer que o tucunaré é introduzido com apelo de pesca é um problema para o Pantanal. Ele pode eliminar outras espécies nativas”, diz.
“Caso não seja monitorado, daqui a 50 anos talvez só exista tucunaré no Pantanal. E os outros peixes?”, pergunta o zootecnista Alexandre Wagner Silva Hilsdorf, 55, professor e coordenador do Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura do Núcleo Integrado de Biotecnologia da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), no interior de São Paulo.
O tucunaré tem poucos predadores na Bacia Pantaneira: peixes maiores, jacarés e ariranhas. Hilsdorf afirma que a Embrapa Pantanal deveria se preocupar, acompanhar e orientar o governo constantemente sobre a evolução do peixe amazônico.
Tucunarés são peixes de médio porte, podendo medir entre 30 centímetros e um metro e pesar entre 3 kg e 10 kg. A espécie que se alastrou pelo Pantanal é a Cichla cf. monoculus (Osteichthyes, Cichlidae). Segundo a Embrapa Pantanal,existem cerca de 300 espécies de peixes na Bacia Pantaneira.
Há relatos de pescadores que estão fisgando tucunarés a apenas 10 km de Corumbá (MS), cidade a aproximadamente 200 km ao sul da Fazenda Santo Antônio do Piquirí, de onde o peixe amazônico se alastrou.
De acordo com relatório de 2005 da Embrapa Pantanal, desde 1992 o tucunaré tem sido pescado em outras regiões, deixando clara a sua dispersão.
“Não existe um monitoramento para avaliar o impacto”
Além de ameaça direta à ictiofauna (conjunto de peixes de uma região), não se conhece as influências do tucunaré para a economia local, abrangendo toda a cadeia de pesca profissional e amadora.
Fora isso, de acordo com pesquisadores, espécies exóticas podem introduzir novas doenças ao ambiente, além da hibridação com peixes nativos, alterando significativamente o habitat natural e causando um desastre ambiental de proporções inimagináveis.
“Não existe um monitoramento para avaliar o impacto. Hoje, se o tucunaré está em Porto Esperança, em Corumbá, ele ocorre também no rio Miranda”, afirma André Luiz Siqueira, 32, diretor-presidente da ONG Ecologia e Ação (Ecoa).
Embora viva em baías (lagos), Siqueira afirma que o tucunaré usa os rios para se deslocar.
De acordo com o ambientalista, por se tratar de um rio de competência federal [o Paraguai], de faixa de fronteira, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) deveria monitorar o problema, em parceria com o governo de Mato Grosso do Sul.
Ele afirma que a pesca é a atividade que mais gera emprego e renda no Pantanal e que o tucunaré, ao predar peixes locais, pode afetar diretamente a atividade.
Expedição de pesca do tucunaré
Em outubro deste ano foi criada a primeira expedição de pesca do tucunaré no Pantanal. A propaganda chamava para “viver a experiência inédita no coração do Pantanal, em busca do embaixador da pesca esportiva brasileira”.
A iniciativa foi do empresário Bruno Maurício de Brito Paiva, 34, do setor de pesca e hotelaria de Corumbá. Dono de embarcações de grande porte, ele arrendou um hotel no Pantanal de Mato Grosso do Sul, na divisa com Mato Grosso, basicamente para explorar a pesca do tucunaré.
A hospedagem fica próxima à serra do Amolar, onde está a maior concentração do peixe amazônico. O local é de difícil acesso, ficando a mais de 200 km de barco de Corumbá.
“Entre os pescadores esportivos, não é mais novidade que o tucunaré está no Pantanal. Recebemos turistas de vários Estados que vêm para cá pescar especificamente este peixe”, afirma o empresário.
Embrapa Pantanal não vê impactos negativos
Em nota, a Embrapa Pantanal informou que não houve relatos de impactos negativos no ecossistema pantaneiro causados especificamente pelo tucunaré que exigissem trabalhos imediatos por parte da equipe de pesquisa a respeito da espécie.
A Embrapa Pantanal, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, considera como impactos negativos alterações sensíveis ao ambiente, como a diminuição drástica de determinadas espécies de peixes, por exemplo, que pudessem ter sido comprovadamente causadas pelo tucunaré.
Informou ainda que o governo estadual avalia anualmente a atividade pesqueira na Bacia do Alto Paraguai pelo Sistema de Controle da Pesca de Mato Grosso do Sul.
O governo de Mato Grosso do Sul, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar, informou que atualmente não há um programa do Estado específico de monitoramento da da espécie e que este trabalho ficou a cargo da Embrapa Pantanal.
Procurado desde o dia 24 de novembro para informar o que está fazendo sobre a presença do tucunaré no pantanal, o Ibama/MS não retornou à reportagem.
O Pantanal é a maior planície alagada do planeta. Foi reconhecido como Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988 e, no ano 2000, como Reserva da Biosfera Mundial pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
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