Diante das mudanças climáticas e previsão de aumento da temperatura global, cientistas do Inpa tentam prever impactos sobre ecossistema amazônico – eles descobriram que mosquitos vão se reproduzir mais rapidamente e que alguns peixes precisarão de mais comida para sobreviver.
Peixes que precisam comer mais para manter sua taxa de crescimento e outros que correm risco de extinção, mosquitos que se reproduzem mais rapidamente e plantas que capturam menos dióxido de carbono (CO2).
Esses são alguns dos resultados do projeto Adaptações da Biota Aquática da Amazônia (Adapta), do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), que criou microcosmos em quatro salas com 25 metros cúbicos simulando as condições climáticas do ano de 2100 seguindo as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para temperatura, concentração de CO2 e umidade relativa do ar.
Essas previsões do IPCC antecipam um aumento nas temperaturas de 1,5°C a 7°C em algumas regiões amazônicas durante o século 21.
São mudanças que podem interromper os padrões atuais de distribuição de organismos, como peixes, mosquitos e plantas. Foi para tentar prever como isso poderá ocorrer com algumas espécies que foram criados os microcosmos do projeto Adapta.
A primeira sala serve de controle e reproduz o clima atual da Floresta Amazônica. “A segunda simula o ambiente brando do IPCC, com uma concentração de 250 partes por milhão (ppm) de CO2 mais alta que a de hoje e 1ºC mais quente”, explica o pesquisador Alberto Luís Val, do Inpa, coordenador do projeto.
“Na sala 3 (intermediária) há mais CO2 e mais 2,5°C de temperatura. Por fim, na quarta, o ambiente é drástico, com 850 ppm de dióxido de carbono acima dos níveis atuais e de 4°C a 4,5°C mais quente. Em todas, a umidade relativa do ar é mantida entre 80% e 90%.”
Nas simulações, esses dados (temperatura, CO2 e umidade) são coletados em tempo real por sensores em uma torre instalada em uma reserva florestal próxima ao Inpa, em Manaus. Eles são enviados, a cada dois minutos, para os computadores do instituto, que acionam máquinas em cada microcosmo para simular as condições climáticas previstas para 2100.
Nas salas, existem aquários com peixes, gaiolas com mosquitos transmissores de doenças, como malária e dengue, por exemplo, e plantas que permanecem no ambiente por períodos variáveis, podendo chegar a seis meses, dependendo do experimento.
O comportamento sob mudanças climáticas
Os cientistas estudam o comportamento desses organismos de acordo com o ambiente simulado em cada sala. “Nosso objetivo é entender como os organismos aquáticos poderão ser afetados pelas mudanças climáticas”, diz Val.
“Ou seja, como diferentes espécies de plantas, peixes e insetos reagem a esse desafio ambiental. Queremos aprender com as respostas biológicas que esses organismos dão ao aquecimento global.”
Val cita como exemplo os peixes. “Eles surgiram numa época em que havia mais CO2 na atmosfera – e na água – e menos oxigênio do que hoje”, explica.
“Então muitas adaptações ocorreram para eles poderem lidar com a baixa disponibilidade de oxigênio. Nós imaginávamos que eles poderiam se adaptar à alta concentração de CO2 e a temperaturas elevadas. Mas não é isso que estamos vendo. Percebemos que os da Amazônia de uma maneira geral são muito sensíveis a esses dois fatores. Apesar de viverem em um ambiente quente, eles não têm flexibilidade para se adaptar a temperaturas ainda mais altas, e estão vivendo no limite de sua adaptação.”
Entre as oito espécies incubadas nos microcosmos está o tambaqui, importante fonte de alimento para os povos da região.
Em um dos experimentos, os cientistas constataram que houve um aumento no consumo de ração para que ele mantivesse sua taxa de crescimento. “Na sala com ambiente drástico, este peixe tem que comer 50 gramas a mais para cada quilo de peso corporal que ganha”, conta Val. “Ou seja, consome mais alimento para ter um crescimento igual.”
Também foram estudadas duas espécies “irmãs” de peixes ornamentais, o Paracheirodon axelrodi, conhecido popularmente como cardinal tetra, e o Paracheirodon simulans, o cardinal neon verde. “Esta última conseguiu regular a expressão dos seus genes, conseguindo sobreviver durante o experimento”, informa Val.
“Ela se daria bem com as mudanças climáticas. A outra, no entanto, não conseguiu fazer isso e teve alta taxa de mortalidade. É uma candidata à extinção.”
Apesar de serem duas espécies aparentadas, elas reagiram de maneira diferente ao aquecimento. “Por isso, não dá para generalizar as conclusões em relação aos peixes da Amazônia”, diz Val.
“Mesmo animais muito próximos, como estes dois, têm respostas diferentes.”
Mais mosquitos em menos tempo
Outro experimento estudou dois grupos que vivem nos igarapés, o dos caracídeos e o dos ciclídeos. O pesquisador do Inpa explica que esse ambiente tem temperaturas estáveis, que ficam entre 24°C e 25°C. “O que queríamos descobrir era a tolerância térmica crítica de cada grupo, que é a temperatura máxima da água em que ele poderiam sobreviver”, explica.
Os pesquisadores descobriram é que os caracídeos têm a menor tolerância térmica crítica, que é de 32°C, enquanto os ciclídeos suportam até 38°C. “O problema é que a média das temperaturas máximas das águas da Amazônia está se aproximando dos 32°C, chegando a 30°C, 31°C”, informa Val.
“Isso significa que os primeiros terão dificuldades para sobreviver nesses ambientes que estão se modificando termicamente, ficando cada vez mais quentes.”
No caso dos mosquitos transmissores, a descoberta mais importante foi que o intervalo entre as gerações diminuiu. Ou seja, em um período de tempo menor, nascem mais insetos, o que deverá dificultar o seu controle, o que, por sua vez, poderá aumentar o número de casos de malária e dengue, por exemplo.
Por fim, os pesquisadores do projeto Adapta estudaram nos microcosmos os efeitos de cenários combinando temperatura elevada e maior concentração de CO2 atmosférico na germinação e crescimento inicial da planta macrófita aquática arbustiva da Amazônia Montrichardia arborescens.
“As sementes foram germinadas e as mudas produzidas foram monitoradas ao longo de cinco meses nas quatro salas”, conta Val.
“Verificamos, no ambiente drástico, que as severas mudanças climáticas esperadas no futuro podem influenciar negativamente a acumulação de carbono em M. arborescens. Como as macrófitas aquáticas nas zonas úmidas da Amazônia e em todo o mundo são espécies-chave de plantas, mais estudos são necessários para prever seu destino em uma perspectiva de mudança climática global.”
Fonte: https://g1.globo.com