Entender o funcionamento das vacinas e estar bem orientado por profissionais capacitados ajuda o piscicultor a tomar as melhores decisões
As vacinas são um componente importante de um programa de saúde eficaz para quase todas as espécies de animais. Uma vacina é uma preparação biológica contendo microrganismos, componentes de microrganismos ou subprodutos de microrganismos que, quando administrada à espécie animal alvo, resulta no desenvolvimento de imunidade ativa a um determinado patógeno ou grupo de patógenos. As vacinas podem ser fabricadas a partir de patógenos inteiros, de toxinas produzidas por patógenos ou de um único componente antigênico de um patógeno.
Existem duas classificações regulatórias de vacinas: as vacinas comerciais licenciadas e as autógenas.
As primeiras são aquelas aprovadas para uso pela autoridade reguladora competente do país em que estão licenciadas para uso. As vacinas comerciais foram desenvolvidas e testadas por meio de estudos científicos rigorosos e processos de fabricação, bem como revisão de autoridades competentes.
Já as vacinas autógenas são aquelas que contêm um patógeno ou patógenos isolados de animais doentes de uma fazenda, sistema de produção ou unidade epidemiológica específica. A maioria das vacinas autógenas é feita com um patógeno morto ou inativado ou múltiplos patógenos de doenças não notificáveis.
Uma vacina é composta por dois elementos: o antígeno e o adjuvante. O componente de antígeno de uma vacina é o patógeno real ou componente patogênico ao qual o sistema imunológico do animal vacinado responderá e que resulta em imunidade ativa a esse patógeno. O componente adjuvante é a porção líquida da vacina que suspende o antígeno em solução e possibilita a injeção.
No entanto, o componente adjuvante é muito mais que apenas um veículo de entrega do antígeno. O adjuvante utilizado na fabricação de uma vacina para determinada espécie animal contra um patógeno específico é fundamental no desenvolvimento de uma resposta imune eficaz e robusta do animal vacinado ao patógeno. O componente adjuvante de uma vacina também é um determinante-chave da taxa de início da imunidade e da duração da imunidade pós-vacinação.
Quando uma vacina comercial está sendo desenvolvida para aprovação, tanto o componente antigênico quanto o componente adjuvante são testados e avaliados intensiva e extensivamente. Os seguintes aspectos de uma vacina comercial são avaliados cientificamente: a otimização da expressão antigênica, o processamento de manipulação de antígenos, a potência do antígeno, o equilíbrio do antígeno e a interação do antígeno com potenciais adjuvantes.
O adjuvante que está sendo considerado para uso em uma vacina também deve ser avaliado cientificamente. Seu papel é aumentar a resposta do sistema imunológico a um antígeno e não inibir a resposta do sistema imunológico do animal vacinado. Além disso, o adjuvante deve ser testado para garantir que não haja consequências negativas, como aderências, abscessos ou outros eventos adversos, resultantes do próprio adjuvante ou da combinação antígeno e adjuvante na espécie-alvo do animal.
As vacinas comerciais licenciadas devem atender a uma longa lista de padrões de qualidade e eficácia antes de serem aprovadas para uso pelas autoridades regulatórias. Dessa forma, elas devem demonstrar excelente eficácia com estudos de desafio em animais contra todos os patógenos no rótulo.
As vacinas comerciais também devem demonstrar que a quantidade aprovada de antígeno está presente em todos os lotes do imunizante. Ainda precisam demonstrar que não existem contaminantes, outros agentes patogênicos potenciais ou organismos vivos não intencionais presentes no lote da vacina antes da sua venda.
Toda vacina comercial deve passar por testes que demonstrem a quantidade de tempo que o preparado imunológico permanece potente, após ser fabricada, para que se possa ter confiança na data de validade listada no rótulo. O piscicultor também deve ter certeza de que cada lote de uma vacina licenciada é quase idêntico aos lotes anteriores, então os lotes de vacina serão todos intercambiáveis, porque cada lote de uma vacina licenciada deve ser fabricado de acordo com padrões aprovados e exigidos. Portanto, elas são fabricadas de acordo com especificações e padrões rigorosos de pureza, potência e eficácia, com extensos programas e testes de QA/QC (siglas em inglês para garantia de qualidade e controle de qualidade).
Variações entre as vacinas autógenas
As vacinas autógenas são fabricadas e vendidas sob condições não tão rigorosas e com menos requisitos que as vacinas comerciais licenciadas. Na verdade, são vacinas experimentais e pode haver uma variação considerável entre os seus fabricantes e as vacinas que esses produzem.
Aos fabricantes de vacinas autógenas não se exige que avaliem ou atendam a quaisquer padrões de eficácia para vacinas autógenas, como os fabricantes de vacinas comerciais licenciadas são obrigados a fazer.
As vacinas autógenas normalmente não garantem que um lote seja idêntico a qualquer outro lote de vacina autógena. O único teste feito com vacinas autógenas é o teste para a presença de contaminantes. Assim sendo, podem conter altas concentrações de endotoxinas e outros subprodutos da cultura que causam eventos desfavoráveis nos animais vacinados.
Testar contaminantes é importante, mas verifica-se que a qualidade e a quantidade de testes em desenvolvimento para vacinas autógenas são muito menores que para vacinas comerciais licenciadas. Dessa forma, pode-se começar a entender as diferenças importantes na pesquisa, desenvolvimento, teste e avaliação entre vacinas comerciais licenciadas e vacinas autógenas. E, assim, compreender por que tão poucas vacinas autógenas são usadas na medicina humana.
A indicação de uso
Apesar das limitações e deficiências das vacinas autógenas e seus processos de fabricação, elas ainda podem desempenhar um papel no programa de saúde do rebanho de uma fazenda.Alguns dos cenários que podem justificar o uso de uma vacina autógena são o surgimento de um novo patógeno ou uma situação na qual um patógeno existente, com variação antigênica adequada, evolui e escapa da proteção das vacinas disponíveis, também quando as vacinas comerciais licenciadas não se mostram eficazes ou se nenhuma vacina comercial licenciada disponível contiver um patógeno suspeito específico.
Uma vacina autógena pode ser criticamente avaliada para uso se uma série de condições e requisitos forem atendidos. Uma dessas condições é a realização de uma avaliação diagnóstica adequada e abrangente. O processo de diagnóstico deve resultar no isolamento consistente de um patógeno ou patógenos reconhecidos da espécie animal preocupante. O patógeno consistentemente isolado deve ser aquele que não está sendo vacinado atualmente com uma vacina licenciada.
Se o patógeno suspeito for um componente de uma vacina licenciada, no programa de vacinação, o patógeno suspeito precisa ser avaliado por caracterização molecular complexa, detalhada e determinações de relacionamento. Se o diagnóstico e o teste molecular de um patógeno suspeito, consistentemente isolado, demonstrarem que o patógeno é significativamente diferente do antígeno em uma vacina comercial licenciada, a vacina autógena pode valer a pena.
Se o diagnóstico e o teste molecular de um patógeno suspeito e consistentemente isolado não forem significativamente diferentes do antígeno em uma vacina comercial licenciada, uma vacina diferente, de um fabricante diferente, provavelmente não resolverá o problema.
Diferentes soluções para o problema clínico observado, como o momento da vacinação, a redução do estresse fisiológico durante eventos como transporte ou classificação, doenças preexistentes no momento da vacinação, parâmetros de qualidade da água, densidades de peixes, estado nutricional, entre outras, devem ser avaliadas criticamente com possíveis mudanças no manejo e no programa de saúde.
Para o uso da vacina autógena ainda há a necessidade de elaborar e implementar estratégias e métodos que permitam avaliar objetivamente o efeito e o impacto desta na fazenda ou no sistema de produção em que está sendo utilizada.
Devido ao rigoroso e extenso processo de desenvolvimento e registro de uma vacina comercial, tecnologia adjuvante associada e tecnologia de produção de antígenos, as vacinas comerciais frequentemente provam resultar em proteção superior nas fazendas e nos sistemas de produção em comparação com as vacinas autógenas. Uma vacina autógena pode ser produzida a partir de, praticamente, qualquer microrganismo isolado de um animal. Por isso é importante trabalhar com a orientação do médico veterinário e de toda a equipe de saúde dos peixes para determinar se uma vacina autógena deve ser fabricada, implementada e avaliada.
Quase todos os países têm regulamentações diferentes que regem a produção e o uso de vacinas autógenas. Também é importante que o produtor se certifique de que está familiarizado com as regras e regulamentos que regem os requisitos de vacinas autógenas, fabricação e uso no país em que ele se encontra.
Fonte: Talita Morgenstern, médica-veterinária e coordenadora técnica da Unidade de Aquacultura da MSD Saúde Animal