Fundamentais para o pescador que espera embarcado ou na beira da praia, sinais da natureza indicam se o mar está ou não para peixe. No caso específico da tainha (Mugil liza), a espécie mais cobiçada em Santa Catarina, o que determina o sucesso da safra, além de boa dose de sorte, é a combinação do vento sul com as primeiras friagens do inverno, condições climáticas que abrem caminho à migração dos cardumes crescidos nos estuários salobros para desova em ambiente marinho de águas mais aquecidas e salinizadas.
Mas, não precisa ser sempre assim. A tecnologia para produção de grande quantidade de alevinos tainha, sardinha e robalo já está dominada, em tanques do Laboratório de Piscicultura da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), na Barra da Lagoa, a mais importante colônia pesqueira de Florianópolis. O que falta é dinheiro para a produção em cativeiro virar realidade, e, assim, compensar pelo menos em parte, a escassez dos cardumes em mar aberto e as safras cada vez mais mirradas.
Para a tainha, espécie ameaçada pelo valor da ova no mercado externo US$ 50, o quilo, na safra passada e a sobrepesca, bastaram R$ 350 mil para as primeiras pesquisas darem sinais positivos. Coordenado pelo professor Vinícius Cerqueira, chefe do departamento de engenharia de aquicultura da UFSC, projeto desenvolvido em parceria com a Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catarina) chegou a ser aprovado pelo extinto Ministério da Aquicultura e da Pesca, em 2015. Mas, não teve continuidade com a transformação da pasta em secretaria nacional vinculada ao Ministério da Agricultura.
“Falta aprofundar estudos sobre processos de crescimento, engorda e desova. Há viabilidade econômica para, no futuro, garantir a produção em grande escala”, diz o oceanógrafo Sergio Wincler, 53 anos, um dos pesquisadores da Epagri. Com mais uma vantagem – produção durante o ano inteiro, e não apenas no período licenciado da desova, de 1 de maio a 31 de julho.
Simulação de características climáticas e marinhas
Nos tanques da UFSC, as características climáticas e marinhas são simuladas de acordo com o ciclo reprodutivo de cada espécie no mar. Longe das condições naturais que funcionam como gatilho para desova das tainhas, que, os reprodutores [machos e fêmeas] são induzidos à reprodução com aplicação de hormônios. “As ovas amarelas das fêmeas se misturam ao esperma do macho de ova branca, leiteira e ocorre a fertilização”, explica Sergio Wincler.
A intenção, segundo o professor Vinícius Cerqueira, é ampliar o plantel permanente de reprodutores de uma desova para outra. As 68 primeiras tainhas capturadas a tarrafas no ano de 2014 em Penha, Laguna e Jaguaruna para início do experimento geraram pelo menos 100 mil alevinos no ano seguinte. Alimentadas com ração produzida no laboratório da UFSC, nesta “safra” foram 2,5 milhões de ovos.
A criação de tainhas em cativeiro em escala comercial seria, de acordo com Cerqueira, alternativa para períodos mais longos de defeso para a captura em mar aberto, pela frota industrial, ou pelas redes artesanais utilizadas em comunidades pesqueiras do litoral. Além disso, criaria alternativa de renda ao pescador fora do período regular da safra, aumentaria a oferta do peixe no mercado e consequentemente, reduziria o preço final ao consumidor.
Sardinha criada em cativeiro
A captura da sardinha verdadeira (Sardinella brasiliensis) como isca viva para abastecer a frota atuneira e a sobrepesca para atender a demanda da indústria do peixe enlatado praticamente provocou a extinção da espécie nos mares do Sul e do Sudeste do Brasil. O regramento da atividade a partir do ano 2000, com períodos maiores de defeso, evitou o colapso e o desabastecimento das prateleiras de supermercados.
Mais uma vez, cientistas catarinenses saíram na frente e viabilizaram a produção da espécie em cativeiro. Nos tanques da Barra da Lagoa, onde são produzidos também plânctons, microalgas, nutrientes e o ambiente marinho simulado, larvas de sardinha com até dois centímetros de comprimento já começaram a ser transportadas para tanques-redes, da Univali (Universidade do Vale do Itajaí). De lá, são transferidas a tanques de isca-viva dos barcos que saem para pesca do atum em mar aberto.
“É mais uma pesquisa que tocamos com sobras de recursos, e alguns créditos restantes”, explica o doutorando em engenharia de aquicultura, Caio Magnotti, 39 anos, que passa o dia em meio a microscópios, planilhas e tanques com todos os estágios do peixe – ovos, larvas, alevinos, juvenis, adultos e reprodutores. Entre os tanques redondos, um deles abriga o plantel de reprodutores de robalo-flecha, com peixes de até 11 quilos. Entre os trabalhos desenvolvidos no laboratório da UFSC um chama atenção: o que pesquisa a homogeneidade do cardume, canibalismo e dominância dos machos.
Entraves ambientais
Também parceria entre UFSC e Epagri, a produção da macroalga Kappaphycus alvarezii, utilizada na indústria de alimentos e cosméticos, esbarra em entraves ambientais. Por ser espécie exótica da Índia introduzida há pouco mais de duas décadas no Brasil, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) exige nova etapa de estudos antes de licenciar a primeira área de cultivo em Santa Catarina.
Para o agrônomo Alex Alves dos Santos, 53 anos, trata-se de “burocracia e mais despesas desnecessárias”. À frente do projeto desde 2008 na Epagri, Santos garante que todas as pesquisas foram realizadas, comprovando que o litoral catarinense tem as mesmas características do mar em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde a macroalga é produzida comercialmente e sem impactos ambientais.
Em 2014, o Brasil importou US$ 21 milhões em carragenana, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior. Extraído da macroalga, este gel é utilizado na indústria química de alimentos embutidos e de cosméticos, para produção de estabilizantes e dispersantes. Sem perspectivas de produção em Santa Catarina, as pesquisas complementares exigidas pelo Ibama são desenvolvidas na fazenda marinha da Epagri, em Sambaqui, Norte da Ilha.
Fonte: http://ndonline.com.br