Governo repassou à Secretaria de Pesca o poder de emitir autorizações para produtores de peixes criarem espécies exóticas e nativas nas áreas das barragens, não sendo mais necessário consultar a Agência Nacional de Águas ou mesmo o Ibama.
BRASÍLIA – O Ibama, órgão federal responsável pela fiscalização ambiental no País, foi excluído do processo que vai autorizar a criação de peixes em 73 reservatórios de hidrelétricas do País. A informação foi confirmada nesta segunda-feira, por Jorge Seif Júnior, secretário nacional de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, durante um encontro com o presidente Jair Bolsonaro.
Por meio da publicação de um decreto (10.576/2020), o governo repassou à Secretaria de Pesca o poder de emitir autorizações para produtores de peixes criarem, em estruturas de tanques-redes, espécies exóticas (originários de outros países) e nativas nas áreas das barragens, não sendo mais necessário consultar a Agência Nacional de Águas (ANA) ou mesmo o Ibama, neste processo.
A ANA encaminhou à Secretaria de Pesca uma relação dos 73 reservatórios já analisados pela agência, apontando a capacidade de máxima de toneladas de peixes que cada um poderá produzir e se estão aptos a receberem tanques de espécies exóticas, nativas ou de ambas.
Em vídeo divulgado pelas redes sociais, Seif Júnior comemorou a edição do decreto ao lado de Bolsonaro. “Após 17 anos o Decreto 10.576/20 desburocratiza, moderniza e dá celeridade aos processos de cessão de águas da União, facilitando o cultivo de organismos aquáticos no Brasil”, escreveu. “Retiramos ainda, oficialmente, o Ibama de todo esse processo”, disse o secretário.
O acesso à pesca e o controle de espécie é um dos principais temas tratados pelo Ibama dentro do processo de fiscalização e licenciamento de grandes reservatórios de hidrelétricas em todo o País. O órgão federal ligado ao Ministério do Meio Ambiente trava hoje uma disputa judicial, inclusive, com a concessionária da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, para que a empresa aumente a liberação de água de sua barragem, para não comprometer ainda mais a pesca e a vida na região.
Das 73 barragens selecionadas, 60 preveem a criação de tilápia. Outros 13 reservatórios – dos quais seis estão na Amazônia – seriam usados para criação de peixe nativo, ou seja, de uma espécie natural daquele rio. A tilápia é um peixe exótico, que tem suas origens na África e no Oriente Médio. Ambientalistas e cientistas que estudam o tema alertam sobre o risco de a espécie escapar dos criadouros e dominar as áreas onde são criadas. O receio é de que o peixe, que hoje está presente em boa parte das bacias hidrográficas do País, acabe comprometendo outras espécies nativas que ainda resistem nos maiores rios brasileiros, apesar destes terem sido barrados pelas usinas.
O governo afirma que está próximo de viabilizar o cultivo da tilápia no lago de Itaipu, hidrelétrica binacional que forma um reservatório de 1.350 quilômetros quadrados, na fronteira com o Paraguai. A ideia, porém, ainda precisa passar pelo crivo do parlamento do Paraguai, porque há impedimento legal para criação de espécie exótica no reservatório. Assim como o Brasil divide com o Paraguai a energia da usina binacional, precisa de sua autorização para produzir peixes nas águas.
Seis reservatórios da região amazônica já foram escolhidos pelo governo para instalação de milhares de gaiolas de criação de peixe. Nestes rios que foram embarreirados para geração de energia, seria liberada a criação de “peixes nativos”, ou seja, espécies encontradas na própria região. Os lagos escolhidos são os das hidrelétricas de Belo Monte, Balbina, Jirau, Santo Antônio, Samuel e Curuá-Una.
Belo Monte, que destruiu boa parte da condição natural de pesca do rio Xingu, conforme atestam diversos laudos técnicos do Ibama, teria capacidade de produção de até 202 mil toneladas de peixe por ano, segundo o relatório do governo. No rio Madeira, os lagos de Jirau e Santo Antônio estão projetados para entregar 415 mil e 422 mil toneladas por ano, respectivamente.
A hidrelétrica de Balbina tem projeção de produzir 26,3 mil toneladas por ano, seguida por Samuel, com 8,3 mil e Curuá-Una, 1,8 mil toneladas. Segundo o secretário da pesca, Jorge Seif Júnior, não há autorização nem planos para colocar tilápia nestes reservatórios.
Em entrevista ao Estadão, Seif Júnior disse que o governo poderá “flexibilizar áreas de comunidades tradicionais de Itaipu, que podem ter uma cota de produção sem pagarem nada”. Outros médios e grandes produtores precisam apresentar seus projetos, segundo o secretário. Uma vez que atenda aos requisitos, esse produtor receberá uma autorização e passará a pagar uma anuidade para a União para poder usar essas áreas.
“O Brasil é o maior detentor de recursos hídricos do mundo e, paradoxalmente, vergonhosamente, somos grandes importadores de pescado. O povo brasileiro quer comer mais pescado, mas não produzimos o suficiente. Além disso, o cultivo é mais sustentável, não estamos retirando nenhuma espécie da natureza”, disse. O projeto aprovado pela Secretaria Nacional de Apicultura e Pesca reúne dados da ANA, Secretaria do Patrimônio da União e Marinha.
Fonte: https://www.terra.com.br/