Pele de tilápia é utilizada para tratar lesão de córnea em cães

Mirza Melo, veterinária e coordenadora do projeto, conta que já foram tratados cerca de 400 cães com o produto — Foto: Divulgação

Biocurativo é rico e colágeno e estimula cicatrização e regeneração celular

Uma nova técnica cirúrgica desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) tem utilizado com sucesso um biotecido originado da pele de tilápia para ajudar a reestabelecer a visão de cães portadores de úlceras ou lesões graves nas córneas, inclusive perfurações.

Mirza Melo, veterinária especializada em oftalmologia e coordenadora do projeto, conta que já foram tratados cerca de 400 cães, nos últimos quatro anos. Segundo ela, animais registraram altos índices de cicatrização no pós-operatório.

Mirza explica que a membrana é tecnicamente uma matriz dérmica celular, que funciona como curativo, que protege a córnea e estimula a produção celular nas áreas afetadas. “A membrana mantém o ambiente protegido, e vai liberando colágeno. Depois, é absorvida pelo organismo”, relata.

Até o momento, foram operados cães braquicéfalos, como buldogues, pugs, lhasas e shih-tzus, que têm focinho mais curto e olhos saltados (mais expostos e propensos a sofrer lesões). A técnica, no entanto, pode ser aplicada a qualquer cão e, em breve, começará a ser testada em gatos.

Produção de biocurativos de tilápia

Preparo da pele de tilápia segue várias etapas. O procedimento foi desenvolvido pelo grupo de estudos coordenado pelo Dr. Edmar Maciel, da Universidade Federal do Ceará — Foto: Globo Rural

A iniciativa de matrizes desenvolvidas a partir da pele de tilápia faz parte de um projeto mais amplo, do Núcleo de Produção e Desenvolvimento de Medicamentos da Faculdade de Medicina na Universidade Federal do Ceará.

O método pioneiro foi criado em 2015, pelo médico pesquisador Edmar Maciel, da Universidade Federal do Ceará (UFC), e inicialmente desenvolveu próteses biológicas a partir de pele liofilizada para o tratamento de queimaduras (em humanos e posteriormente em animais).

Hoje, as matrizes dérmicas a partir da pele de tilápia já tiveram viabilidade comprovada em outras áreas da medicina, entre elas e ginecologia, para recuperação de pacientes ginecológicas com necessidade de reconstrução vaginal e em cirurgias de mudanças de sexo, urologia, otorrinolaringologia, cardiologia e odontologia, entre outros.

Usos em neurocirurgia

A pesquisa com matriz dérmica de pele de tilápia também avança na área de neurocirurgia. Estudos recentes, realizados pelo neurocirurgião Rodrigo Becco, doutorando em medicina translacional da UFC, utilizaram a membrana em cirurgias cranianas para a recomposição da membrana de dura-mater, mais externa das três meninges que revestem o cérebro humano e o sistema nervoso central.

De acordo com o pesquisador, a matriz dérmica de pele de tilápia possui características bastante parecidas com a dura-mater, em termos de espessura e flexibilidade. A indicação é de utilização como um curativo, que adere à membrana original e vai, aos poucos, criando colágeno. “Ela atua como uma barreira mecânica, primeiramente, e não provoca um processo inflamatório”, explica.

Por enquanto, foram realizadas cirurgias em 50 animais. O próximo passo é obter aprovação no Comitê de Ética da universidade, para realização de ensaios em humanos. A expectativa é que a próxima fase tenha início em 2024.

Mercado

De acordo com o Dr. Edmar Maciel, o objetivo, ao desenvolver uma prótese biológica 100% nacional é alcançar uma alternativa eficaz e de baixo custo às opções já existentes no mercado internacional, próteses artificiais ou biológicas (feitas a partir de suínos e bovinos) cujos valores inviabilizam acesso à grande parte da população brasileira.

A pele de tilápia utilizada na pesquisa é doada por produtores da região de Fortaleza (CE), pois é excedente da criação e seria descartada, o que torna todo o processo mais barato. “Comprovamos em pesquisas que a tilápia não apresenta doenças e bactérias intercambiáveis com a saúde humana, como é o caso dos suínos e bovinos. Por isso, o preparo da pele precisa de menos radiação para torná-la viável, o que resulta em peles com mais colágeno”, informa o médico.

Com resultados consistentes, os estudos foram patenteados e os respectivos produtos estão prontos para entrar ao mercado. Para isso, ocorrerá processo licitação, para que haja transferência de tecnologia para uma indústria a ser selecionada de acordo com trâmites legais.