As ilhas do baixo Tocantins, no Pará, ficam na região da Amazônia pouco conhecida no restante do Brasil. Milhares de famílias de ribeirinhos vivem das riquezas da floresta e da pesca, baseada principalmente no mapará, um peixe saboroso que é adorado em toda a região. Essa reportagem comemora os 36 anos do Globo Rural.
Localizada às margens do rio Tocantins, no nordeste do Pará, Cametá foi fundada no século 17 e ainda abriga casas e igrejas do período colonial. Hoje, com mais de cem mil habitantes e um porto movimentado, a cidade é o principal polo econômico da região.
Uma das principais atrações de Cametá é o mercado municipal que funciona todos os dias no período da manhã. No lugar tem tudo o que é tipo de produto regional. O destaque é para os peixes do rio Tocantins, como tucunaré, filhote, tambaqui, caratinga, camarão de água doce e mapará, o peixe mais importante da região.
Parente do filhote e da dourada, o mapará é um peixe de couro, sem escamas. Existem três espécies na Amazônia. A mais comum no Tocantins é a hypophthalmus marginatus, um animal que vive em cardumes, como explica o engenheiro de pesca Jairo Bastos.
“São peixes de profundeza do rio, que é justamente por conta da disponibilidade do alimento. Fictoplanction, microcrustácios e detritos de modo geral acabam servindo de alimento para ele”, diz Bastos.
Com bigode e cabeça fina, um mapará com quatro meses de idade mede cerca de 30 centímetros de comprimento. A carne é clara e tem poucas espinhas.
O amor por esse peixe é tão grande que o Esporte Clube Cametá, time de futebol da cidade, acabou ganhando o apelido de mapará elétrico e tem o maparazinho como mascote da equipe.
Com 2,4 mil quilômetros de comprimento, o Tocantins é um dos maiores rios do Brasil. Ele nasce em Goiás, corta o estado de Tocantins, fazendo divisa com o Maranhão, e atravessa parte do Pará até chegar ao sul da ilha de Marajó.
No trecho final, chamado de baixo Tocantins, o rio atravessa municípios paraenses como Baião, Mocajuba, Limoeiro do Ajurú e Cametá. Em muitos pontos, o leito é bem largo, com barcos passando o tempo todo.
Além de ser movimentado e gigantesco, o baixo Tocantins é marcado por ilhas e ilhotas de diversos tipos de forma e tamanho. Mas para quem viaja de barco na altura do rio não é fácil identificar o contorno das ilhas nem a dimensão do arquipélago. Para se ter uma ideia mais clara da geografia da região, o melhor é ver tudo do alto.
De cima, o primeiro aspecto que chama atenção é a quantidade de ilhas. Só no município de Cametá há 105 grandes, além de dezenas de ilhotas menores. O conjunto forma desenhos bonitos e um labirinto canais e passagens. Um traço central das ilhas é que são baixas, com muitas várzeas e poucas áreas de terra firme.
Professor da Universidade Federal do Pará, o geógrafo Rosivanderson Corrêa fez mestrado e está fazendo um doutorado sobre a região. “A minha relação começa não só como pesquisador, mas eu também sou nativo. Eu nasci dentro de um barco vindo para Cametá, pra minha mãe dar à luz. O parto foi dentro do barco, feito pelo meu pai. Não deu tempo de chegar na cidade”, conta.
Cercado pelo cenário da infância, o professor lembra que a natureza exuberante não é a única riqueza do lugar. Afinal, as ilhas do baixo Tocantins abrigam perto de 50 mil habitantes. “É uma das maravilhas da Amazônia, onde você tem a presença do homem amazônida, com o seu modo de vida peculiar, com a sua identidade e vivendo a relação não só econômica, mas afetiva com o rio”, diz Côrrea.
Para conhecer melhor essa civilização das ilhas, o Globo Rural visitou uma comunidade de ribeirinhos. O destino é a ilha de Saracá. Nascida e criada em Saracá, Maria de Jesus Ferreira é uma das líderes da ilha. Ela explica que Saracá tem 610 habitantes. Alguns moram em casinhas isoladas, mas a maior parte das pessoas vive em povoados. As casas ficam suspensas por pilares e todas são ligadas por pontes de madeira.
Como as terras são baixas e alagadiças, agricultura praticamente não existe pelo lugar. Para fazer uma hortinha ao lado de casa, dona Maurícia Barra apelou para uma série de vasos e canteiros.
Na ilha de Saracá, o sustento dos moradores vem de produtos da mata como cacau, buriti e, principalmente, do açaí, que é abundante na região. A aposentadoria rural e os programas sociais como Bolsa Família também são fontes de renda fundamentais, além da pesca artesanal. Aos 85 anos, seu Dorcelino Costa, o seu Teté, já pegou muitos peixes no Tocantins.
A redução do volume de mapará no baixo Tocantins é uma realidade que preocupa o povo das ilhas. Professor de sociologia rural da Universidade Federal do Pará, Francinei Bentes conta que o problema está ligado a vários fatores. Entre eles, o aumento da população local nas últimas décadas e a construção nos anos 80 da barragem da hidrelétrica de Tucuruí, ao sul de Cametá.
Outra ameaça para o mapará é a pesca predatória. Muitos ribeirinhos usam redes proibidas por lei e não respeitam o defeso, período oficial de suspensão da pesca, que vai de novembro a fevereiro e é essencial para a reprodução dos peixes. A equipe de reportagem flagrou o mapará sendo vendido em Cametá em pleno defeso.
“Eu tenho medo certo de ter represália em cima, mas, infelizmente, tem que trabalhar. Tem família pra sustententar”, diz o comerciante Marcelo de Souza.
Em outro momento do ano, o mapará foi encontrado miúdo no comércio, o chamado fifite, que também é proibido por lei. O responsável pela fiscalização em Cametá é a Secretaria de Meio Ambiente do município. “Nós temos poucos fiscais para abranger todo o município. A gente não tem equipamentos suficientes para poder fazer uma fiscalização mais intensiva”, diz o secretário Arnaldo Moreira.
Para combater a pesca predatória em Saracá e algumas outras ilhas os ribeirinhos montaram equipes que fiscalizam áreas do rio durante o defeso. A iniciativa faz parte de um acordo de pesca que envolve comunidades e órgãos públicos como o Ibama.
Apesar dos problemas, o mapará continua sendo o peixe mais importante e mais apreciado na região. Por isso, o final do período de defeso é sempre marcado por uma grande celebração.
Ver vídeo da reportagem em: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2016/01/pesca-e-floresta-garantem-sustento-de-familias-das-ilhas-do-rio-tocantins.html
Fonte: http://g1.globo.com/natureza/noticia