Produção em MT cresceu 70% entre 2007 e 2009. Estado só perde para RS, São Paulo, Santa Catarina e Ceará.
A carne de peixe, a mais consumida no mundo, ainda tem pouco espaço nos supermercados brasileiros, quando comparada à carne de boi, de frango ou porco. Mas o consumo e a produção de pescado no país estão crescendo. Entre 2007 e 2009, a produção de peixe cresceu cerca de 60%. Mato Grosso, terra dos grãos e do boi, superou essa média nacional de crescimento e aumentou sua produção em 70% no período.
Em 2007, um brasileiro comia, em média, pouco mais de sete quilos de peixe por ano. Dois anos depois, passou para nove quilos, e ainda falta para chegar aos 12 quilos por habitante/ano, média recomendada pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).
Um dos motivos para o Mato Grosso ter superado a média nacional de crescimento neste setor, é o forte investimento feito em Sorriso, no médio norte do estado.
O empresário João Pedro da Silva foi pioneiro na produção de piscicultura em Mato Grosso e começou o cultivo em 1992. “Éramos eficientes como produtores, produzíamos bem soja e milho, mas o frete para levar esse produto para o sul do país era muito caro. Fomos buscar, então, formas de converter a proteína vegetal em animal e o peixe foi um dos veículos que nós fomos buscar para fazer isso”, explica o piscicultor.
Hoje, a Delicious Fish, empresa de João Pedro, também fatura com o bom momento do setor. Nos últimos cinco anos, sua produção anual saltou de mil para três mil toneladas de peixe. Eles fazem seus próprios alevinos, vendem parte deles, engordam a outra parte, e ainda processam toda a sua produção e, a de mais 30 parceiros, em um frigorífico próprio, localizado em Cuiabá.
A fazenda trabalha basicamente com três híbridos de espécies amazônicas: o pintado da Amazônia, cruza de cachara e jundiá; o tambacu, fruto de mãe tambaqui e de pai pacu; e o tambatinga, mistura de mãe tambaqui com pai pirapitinga, carro-chefe da empresa.
Para aumentar ainda mais sua produção e atender um mercado que não para de crescer, João Pedro investe em várias frentes. Uma delas é o melhoramento genético das espécies amazônicas. Há dois anos, ele abriu as portas da fazenda e se tornou parceiro do Aquabrasil, programa coordenado pela Embrapa, que tem como objetivo promover um salto tecnológico na aquicultura brasileira. A empresa de João se tornou sede dos experimentos envolvendo o cachara e o tambaqui.
Enquanto os ganhos com melhoramento genético não chegam, o piscicultor busca resultados a curto prazo. Seguindo sugestão de pesquisadores, como o zootecnista Darci Fornari, ele tem apostado em um sistema de cultivo super adensado, chamado “raceway”. “Ele é caracterizado por alta renovação de água, de duas a quatro vezes o volume total por hora, e alta densidade de peixes. Hoje, nós estamos com quase 100 toneladas por hectare”, explica Darci.
Eles também estão de olho em outras espécies nativas com potencial de mercado. O pirarucu, considerado o gigante da Amazônia, é o próximo da lista. Dos peixes de escama de água doce, o pirarucu é o maior do mundo. Na natureza, pode chegar a três metros de comprimento e cerca de 200 quilos.
O problema é que o pirarucu, durante muito tempo, foi super explorado. Para proteger a espécie, a pesca foi proibida. Comer pirarucu hoje só é possível se ele vier de cativeiro ou áreas de manejo, que não são muitas. Este cenário é uma oportunidade de negócio que João Pedro não quer deixar escapar. “O pirarucu tem a vantagem do grande ganho de peso e é um peixe que descama igual ao bacalhau. Nós pretendemos vendê-lo como o bacalhau brasileiro”, explica.
As matrizes e os reprodutores já estão bem adaptados ao cativeiro: têm bom ganho de peso. O desafio agora é fazer com que eles se reproduzam nos tanques. “O pirarucu é um dos poucos animais que o homem não pode pegar um macho e uma fêmea e fazer reproduzir, ele tem que namorar, se afinar e criar o casal espontâneo”, explica o produtor.
Investimentos e produção acelerada
Muitas empresas estão investindo alto neste mercado para colocar nas prateleiras dos supermercados uma ampla linha à base de peixe. A última empresa a se instalar na região chegou com investimentos de R$ 80 milhões e, em apenas dois anos, já processa cerca de 20 toneladas de peixe por dia. A Nativ já é considerada uma das empresas mais modernas do país no seu segmento.
Pedro Furlan, diretor-presidente e fundador da empresa, pretende implantar o mesmo modelo de produção do frango e do porco, no peixe. “Com profissionalismo, com gestão, controle de qualidade, rastreabilidade em todo o processo produtivo, com conceito de inovação, de praticidade, diferente do que o mercado de pescado no Brasil normalmente trabalha”, afirma.
Para abrigar seus tantos planos, Pedro não escolheu Sorriso por acaso. Além do município ser grande produtor de grãos, matéria-prima para ração dos peixes, também tem estradas e todo suporte logístico necessário para um grande frigorífico.
O perfil empreendedor do produtor rural da região também agrada. Outro ponto importante é que Sorriso fica na bacia Amazônica, onde se pode criar facilmente espécies da Amazônia com grande potencial de mercado, as queridinhas da empresa.
Surubim e tambaqui são criados por produtores parceiros. Em seus 80 hectares de lâmina d’água, a empresa engorda tilápia, peixe exótico já muito adaptado ao Brasil, e principalmente pintado da Amazônia (com produção própria de alevinos).
O pintado da Amazônia é fruto do cruzamento da mãe cachara com o pai jundiá. O resultado é um peixe de couro pintado, cabeça pequena, carne branca e saborosa. Da mãe, o pintado herda a mansidão, e do pai, a característica de não gostar de comer outros peixes, facilitando a criação em cativeiro.
Matrizes e reprodutores são capturados na natureza, com autorização dos órgãos ambientais. As fêmeas em período final de maturação recebem doses de hormônio que estimulam a liberação dos ovos. Para fazer a fecundação, técnicos do laboratório de reprodução coletam o sêmen do macho.
Na fêmea, a produção de ovos é abundante e as doses de sêmen são delicadamente misturadas aos ovos. Depois, eles adicionam água para ativar os espermatozóides, que vão fecundar os ovos e dar origem às larvas de pintado. Em menos de 24 horas, os ovos eclodem, dando origem às larvas.
Quando as larvas iniciam seu processo de metamorfose e ganham as cores e as características do pintado, são transferidas para tanques azuis, e passam a ser chamadas de alevinos. Já comendo ração, eles seguem para tanques-berçários, onde ficam, pelo menos, mais um mês.
Em plena safra, eles conseguem produzir até 100 mil alevinos por semana. “Os peixes chegam com peso médio de 250g e são engordados até 1,5kg. Dura sete meses esse tempo de engorda”, explica Lisandro Bauer, engenheiro de pesca.
A sala de abate foi montada para atender às normas de bem-estar animal. Os peixes perdem todos os sentidos antes de morrer e, assim, não sentem dor. “Nós baixamos a temperatura com água e gelo próximo a 0°C para que o animal seja insensibilizado”, afirma Jeferson Krugina, gerente de processo.
Ao todo, a empresa emprega 350 pessoas. Parte dos cortes limpos, que saem das mãos destes funcionários, é vendida apenas congelada: lombo e costela de tambaqui, filé e pedaços de tilápia e pintado são alguns dos produtos. A empresa também tem uma linha de processados e empanados, já nas gôndolas das principais redes de supermercados do país.
Hoje, a empresa ainda trabalha abaixo da sua capacidade, por isso, seu foco está voltado para a implantação de um modelo sólido de parceria com os piscicultores da região, que funcionaria nos moldes do que acontece hoje com o frango e o porco. “A gente vai trabalhar na integração, fornecendo todos os insumos, medicamentos, alevinos e ração, e ainda garantir a compra no final desse processo de integração”, explica Fernando Frozza, supervisor de parcerias.
Fonte: http://g1.globo.com