Piscicultor procura frigoríficos para parceria
É no município de Canavieiras, no sul da Bahia, bem próximo a Ilhéus, que se localiza a Fazenda Águas Pretas.Começou ali um projeto ousado para fornecer pirarucu o ano interno no mercado nacional. O idealizador é o paulistano e engenheiro metalúrgico Celso Gardon Machado, para quem o peixe pode ser uma das importantes fontes de proteína animal no Brasil. “Por ganhar aproximadamente 10 kg em 12 meses, com um rendimento de carcaça de aproximadamente 50% e alto índice de sobre sobrevivência ao longo do ciclo”. Com a propriedade há 17 anos, Machado explica que ela nasceu originalmente para a criação de gado.
Os animais ainda estão lá, mas agora dividem o terreno com capacidade de 150 hectares com 4 hectares de piscicultura, onde 2 hectares já estão em atividade com tanques escavados.
“Comecei a perceber que a piscicultura era a grande alavanca”. A Fazenda Águas Pretas produz cerca de 15 toneladas do peixe por ano, mas para concretizar o desejo de produção anual ele sabe que terá certos empecilhos pelo caminho. “A dificuldade é no planejamento da compra de alevinos, pois a postura e eclosão possuem época definida pelas condições climáticas anuais”.
A obtenção destes alevinos também é difícil, seja pelo custo que é cotado em centímetros ou pela logística de transportes, já que a maioria vem de Rondônia. A fase da engorda e a falta de caixa para a compra de ração pelos pequenos produtores também são consideradas.
“Leia-se preço absurdo da ração ou ainda os grandes volumes em compras exigidos pelos frigoríficos para minimizar o custo de seu frete. Mas nesse caso, temos também varejistas que não trabalham com contrato de regularidade de entrega com os frigoríficos”, reconhece. Na visão do piscicultor, este conjunto de fatores desfavoráveis colabora para que o País esteja perdendo a oportunidade de ser um dos líderes mundiais da produção do pirarucu.
O teste de sexagem, por exemplo – uma forma de identificar possíveis casais – extrapola a sua compreensão: “A única forma de determinar o sexo do pirarucu é através do exame de sangue e – pasme – o kit de sexagem é vendido na França. Detalhe, na França não existe pirarucu nativo em suas águas, tão pouco teria o porquê desenvolver esse teste se não estivéssemos falando de um peixe muito diferenciado”. No aspecto nutricional, Machado vê falta de interesse das fábricas para a produção de ração adequada para a espécie.
O baixo volume de consumo somado ao fato da alimentação para outros animais deixam margem maior e com grandes volumes. “Como o ciclo do peixe é anual, isso faz com que muitos piscicultores migrem para outras espécies com ciclo mais curto, para encurtarem seus recebimentos e não terem uma necessidade de caixa grande como na engorda do pirarucu”.
Em participação durante um curso no Sebrae- RO, ele lembra do palestrante perguntado aos ouvintes quantos alevinos eles pretendiam comprar para iniciar a produção. “Aí veio uma chuva de números…1.000, 3.000, 10.000 para iniciar”, falou. Conforme Machado, após uma enxurrada de números, o palestrante perguntou se os presentes tinham ideia de quanto custaria a alimentação desses `X` alevinos na fase de acabamento (entre 7 a 11 kg). “Após transformar os kgs de ração/dia em R$, os ouvintes ficaram impressionados e repensaram fortemente suas pretensões”, finalizou. Ele explica que o episódio foi apenas um dos exemplos do despreparo que existe em parte dos produtores que se arriscam a criar o pirarucu.
Conforme, outro item a se preocupar na cadeia produtiva, é que se o piscicultor que consegue comprar e engordar alguns peixes até ponto de abate, posteriormente, este fica sem saber para quem vender. “Tais produtores são aqueles que ‘ouvem’ falar no peixe e acreditam que encontraram o pote de ouro, porém, decepcionam-se e perdem o interesse pela criação, pois os frigoríficos não têm interesse em pequenos volumes”.
A proposta
Dentro do mercado, Machado percebeu a dificuldade em encontrar frigoríficos para compras constantes da espécie. “Por isso procuro frigoríficos para criar uma parceria ‘escrita’ para ocupar esse nicho de mercado e consolidar este peixe no mercado o ano todo”. Ele já está com alguns casais formados e ‘aptos a postura’. Outro plano é em 2020 ter um laboratório para desenvolvimento e treinamento para seus próprios alevinos. Ele foi se preparando aos poucos para a proposta, comprou uma escavadeira e também já tem energia trifásica para bombas elétricas e máquinas operatrizes para pequenos reparos.
Em sua visão, o problema está em manter o fluxo contínuo e, que para resolver, precisar encontrar um frigorífico que se interesse pelo projeto.” A busca é por um parceiro com uma marca ‘legal’ e uma distribuição constante. Dos bois aos peixes, Machado busca cada vez mais conhecimento sobre o setor e já realizou diversos cursos e treinamentos. “Comecei literalmente do zero na piscicultura, antes de escavar o primeiro tanque e comprar os primeiros alevinos já havia feito cursos em Rondônia e tinha visitado o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Ele entende que, assim como na pecuária, o difícil é suportar o caixa até a primeira venda com o agravante do custo da ração. Para o novo momento de sua piscicultura, o planejamento é para duas toneladas de pirarucus por mês. Soma-se a carga do gelo para o transporte e um caminhão pequeno. “Isso fará com que meu parceiro comercial possa se programar e seu varejista ter confiança que a quantidade contratada será fornecida. Com isso darei a quem conhece o mercado a oportunidade de comercializar e distribuir bem”. O volume deverá crescer anualmente e ele já conta com os futuros alevinos que ali serão gerados, e também com a qualidade do solo, que segundo ele, é propício para retenção e riqueza de água. A Fazenda Águas Pretas é abastecida por uma lagoa com água escura e que faz uma divisão com outra propriedade e recebeu este nome por causa da cor escura de suas águas.
Bem localizada
A Fazenda Águas Pretas está a 70 km da Br-101, e ainda com ramificação para todo o Brasil. Na cidade há duas fábricas de gelo que também fornecem o produto ensacado. “O que facilita muito o preparo da carga nos caminhões. [Além disso] conto com uma fábrica de ração para carnívoros no estado da Bahia a 420 km”, explicou. Em Ilhéus, a 110 km da fazenda, um aeroporto faz conexão com Salvador e, de lá, é possível fazer voos internacionais. Ou se for o caso, há também o porto da cidade de Ilhéus, segundo o piscicultor, recém-reestruturado.
Outro trunfo são os colaboradores que já estão com ele há anos. Um deles está há duas décadas e outro há seis anos, “ou seja, conhecem tudo da fazenda, dos tanques e dos peixes”. Para Machado, todos esses motivos situacionais, geográficos, climáticos e até de colaboradores fazem com que se veja na obrigação de desenvolver um bom trabalho:“Tenho que ser o melhor da porteira para dentro, não perdendo o foco que meu cliente final tem sempre que ser atendido em suas expectativas”, finalizou.
Equipamentos médicos já são usados para análises de pirarucus
No Tocantins, cientistas da Embrapa Pesca e Aquicultura estão usando equipamentos de medicina, como endoscópios e tomógrafos computadorizados, para pesquisar o pirarucu. As tecnologias visam auxiliar na descoberta do grau de maturação das células sexuais das fêmeas e gerar imagens inéditas em 3D do peixe.
O pesquisador da Embrapa Lucas Simon Torati usou um endoscópio médico com aproximadamente três milímetros de diâmetro, comum em exames de urologia, para a captação de ovócitos da fêmea do peixe que permite verificar seu grau de maturação.
Torati revelou que a ideia surgiu durante a prática de uma tomografia computadorizada no pirarucu em Fortaleza. O equipamento foi utilizado para apurar a anatomia das fêmeas, permitindo observar o ovário sem necessidade de cirurgias ou incisões. “Com o uso do endoscópio provido de uma microcâmera, conseguimos, pela primeira vez, observar o ovário de fêmeas reprodutoras sem necessidade de sacrificar nenhum animal, e isso é essencial para pesquisa na área de reprodução”, falou Torati.
Com a técnica foi possível observar se a fêmea estava perto de uma desova ou apta para receber um tratamento hormonal. Segundo o pesquisador, o equipamento possui uma câmera e um fio guia que não deixa romper nenhuma estrutura do peixe.
“Descobrimos que há um septo, como se fosse uma membrana, que está a aproximadamente cinco milímetros da abertura urogenital e que recobre a abertura para o ovário. Por isso, antes não conseguimos alcançar os ovócitos com a técnica convencional de canulação. Agora, descobrimos o caminho.
A experiência foi realizada em peixes vivos, uma terapia hormonal foi testada em fêmeas que estavam em estágio final de maturação e no decorrer do experimento – graças a sua respiração pulmonar -, os pirarucus são mantidos fora da água. Inicialmente foram examinadas quatro fêmeas adultas pela endoscopia. Conforme o pesquisador, depois testaram em outras 12 fêmeas com equipamento endoscópio na beira do viveiro. “Ali, conseguimos visualizar o aparelho reprodutor e também fazer a canulação, coletando os ovócitos”.
No experimento foi observado o ovário. “Uma vez que sua anatomia é compreendida, é possível realizar a canulação sem uso do endoscópio e praticamente sem custo”, explica o pesquisador. Segundo ele, a canulação serve para coletar e medir os óvulos. “Se o ovócito tem um tamanho superior a 1,3 milímetro e apresenta coloração verde intensa, já está em estágio de maturação final. A partir desse tamanho já podemos tentar uma indução hormonal do pirarucu”, detalha.
Na piscicultura
De acordo com a Embrapa, o próprio produtor pode adotar a técnica, basta treinar sua mão de obra para saber como realizar a canulação e desenvolver na prática o procedimento. Depois de coletar os ovócitos, deve colocá-los em uma superfície. Em seguida, é preciso fazer uma foto e medir os ovócitos com o auxílio de um editor de imagem. Se eles estiverem maduros, é realizada uma indução hormonal – terapia que faz com que os peixes desovem mais rápido.
O kit importado de sexagem de pirarucus por vitelogenina é disponível ao piscicultor, mas seu valor é elevado. “O valor inibe. Cada kit custa em média três mil reais para identificar o sexo de 24 animais, sem falar na dificuldade para comprá-lo, pois envolve refrigeração e questões alfandegárias. Se houver atraso na liberação de todas as licenças, o material pode se estragar antes de ser usado”, sinalizou o pesquisador.
Com o método de canulação, o uso do kit torna-se dispensável.
Projeto premiado
A criação do projeto que busca salvar do risco de extinção o pirarucu deu ao brasileiro João Campos-Silva um dos prêmios do Rolex Awards for Enterprise 2019. A competição foi criada em 1976 para comemorar o 50º aniversário do Rolex Oyster, o primeiro relógio à prova d’água da marca. O prêmio visa promover valores como: qualidade, engenho, determinação e espírito empreendedor. De acordo com o portal da Época, a iniciativa do brasileiro quer proteger a espécie e melhorar a vida de comunidades da região amazônica. “Nosso objetivo é consolidar um grande modelo de desenvolvimento local e conservação da biodiversidade que possa inspirar a sociedade e o governo a aplicá-lo como políticas públicas em outras bacias hidrográficas na Amazônia”, disse antes de ser um dos vencedores. Os premiados receberão financiamento e apoio para o desenvolvimento de seus projetos. Créditos das imagens: Lucas Torati/Embrapa