O mandi, uma espécie de peixe nativa da bacia hidrográfica do rio São Francisco que se reproduz por piracema, está prestes a voltar às águas do Baixo São Francisco após quase desaparecer por completo. Uma tecnologia de propagação artificial da espécie está sendo testada no Centro Integrado de Recursos Pesqueiros e Aquicultura de Itiúba (Ceraqua São Francisco), mantido pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em Porto Real do Colégio (AL). A tecnologia permitirá a produção do mandi em larga escala e o repovoamento do rio por meio de peixamentos públicos realizados pela Codevasf.
Segundo o engenheiro de pesca da Codevasf Sérgio Marinho, mestre em recursos pesqueiros e aquicultura e responsável pelo trabalho de propagação artificial da espécie no Ceraqua São Francisco, o mandi é uma espécie nativa da bacia hidrográfica do rio São Francisco que necessita migrar rio acima para realizar a desova, comportamento denominado piracema. No entanto, devido à mudança no regime natural do São Francisco com a construção de barragens esse movimento foi interrompido e, consequentemente, houve uma drástica redução da espécie na região do Baixo São Francisco. “Como não há desova na região do Baixo São Francisco, temos aqui apenas um estoque remanescente que, possivelmente, foi formado a partir de alguns exemplares que conseguiram ultrapassar as barragens”, explica o engenheiro de pesca da Codevasf.
A primeira desova do mandi no Ceraqua São Francisco foi realizada em setembro deste ano e agora os técnicos do centro tecnológico da Codevasf aguardam o desenvolvimento dos peixes para inserção no rio São Francisco. “O objetivo desse trabalho é repovoar o trecho do rio no Baixo São Francisco. Para isso, o próximo passo é ampliar nosso plantel da espécie, que hoje ainda é muito reduzido”, diz Marinho.
Os trabalhos para domínio da tecnologia tiveram início há quatro anos, quando técnicos do Ceraqua São Francisco receberam exemplares do mandi vindos de uma unidade de piscicultura apoiada pela Codevasf no município baiano de Sento Sé. Segundo Marinho, a principal dificuldade encontrada na propagação artificial do mandi está na estrutura anatômica da espécie. “O macho da espécie possui os testículos franjados. Quando se faz a extrusão para retirada do sêmen, o material entra nas franjas, o que inviabiliza sua retirada. Diante disso, há a necessidade de sacrifício do macho para que possa ser realizada a retirada do sêmen e a fecundação dos ovócitos”, explica. Os demais procedimentos são parecidos com os da propagação artificial do surubim, uma espécie de bagre nativa da bacia hidrográfica do Velho Chico, quase desaparecida na região do Baixo São Francisco e cuja tecnologia para reprodução já é dominada pelos técnicos do Ceraqua São Francisco.
Antes comum nas águas do Baixo São Francisco, o mandi é hoje uma espécie rara nas malhas dos pescadores da região, conforme atesta o pescador Antônio Amorim, presidente da Colônia de Pescadores Z-19 de Piaçabuçu (AL) e conhecido na região como “Camurim”. “Conheço o mandi desde criança, pois sou filho de pescador e vivi minha vida nesse rio. Com o fim das enchentes no São Francisco, o mandi foi sumindo aos poucos e desapareceu. É um dos peixes mais saborosos da região e muito apreciado pela população, mas não pescamos mais um desses há mais de 25 anos”, lamenta. Ele comemora a produção pela Codevasf do mandi para repovoamento do Velho Chico. “Muitas espécies do rio sumiram de nossa rede, principalmente as de piracema. Com a produção do mandi pela Codevasf, os pescadores comemoram, e que venham mais peixes para o pescador”, diz.
Para o chefe do Ceraqua São Francisco, o engenheiro de pesca Álvaro Albuquerque, o domínio da tecnologia de propagação artificial do mandi reforça as ações da Codevasf para revitalização da ictiofauna da bacia hidrográfica do rio São Francisco. “Desde o final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, a Codevasf domina a tecnologia de propagação artificial de peixes nativos da bacia do São Francisco. Já trabalhamos com a reprodução de espécies nativas como o dourado, a matrinxã, o curimatã, o pacamã, o piaba, o cari e o piau. Recentemente passamos a focar o trabalho no domínio da tecnologia para reprodução artificial de espécies nativas carnívoras, a exemplo do surubim e do mandi”, informa.
Albuquerque ainda revela que uma das metas do Ceraqua São Francisco para os próximos meses é dominar a tecnologia de propagação artificial do Pirá, considerada a espécie símbolo da bacia hidrográfica do São Francisco e ameaçado de extinção. “Para isso, estamos buscando, em um primeiro momento, a formação de plantel e, em seguida, atuaremos para reprodução da espécie para repovoamento da bacia hidrográfica do São Francisco”, afirma o engenheiro de pesca da Codevasf.
Desde o início de 2014, o Ceraqua São Francisco produziu cerca de 2,1 milhões de alevinos de espécies nativas do rio São Francisco, como o dourado, a matrinxã, o curimatã, o piau, o surubim e o mandi. Desse total, aproximadamente 1,6 milhão de alevinos foram soltos no rio São Francisco e seus afluentes em Alagoas por meio de peixamentos públicos realizados pela Codevasf; cerca de 500 mil foram repassados a piscicultores familiares do Baixo São Francisco.
Fonte: http://www.tribunahoje.com